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quarta-feira, 21 de março de 2007

Entrevista com Ariovaldo Ramos

Ética no púlpito Missionário há 26 anos, líder evangélico diz que este é o momento de discutir limites para a atuação religiosa Kaíke Nanne Uma das lideranças mais destacadas da comunidade evangélica é o pastor batista Ariovaldo Ramos. Missionário desde 1976, ele trabalha no Serviço de Evangelização para a América Latina e é secretário da Associação Evangélica Brasileira, entidade que reúne as chamadas igrejas históricas, aquelas que prezam as doutrinas fundamentais da Reforma Protestante. Ramos anda preocupado. O crescimento das igrejas neopentecostais, impulsionado por pregações superemocionadas e muitos investimentos em mídia, tem abafado o discurso dos evangélicos históricos. Em conseqüência disso, a sociedade passa a acreditar que os protestantes em geral valorizam o dinheiro acima de tudo e se submetem sem questionamentos às orientações de pastores que fazem o que bem entendem com os recursos das igrejas. "Infelizmente, é esse o estereótipo que hoje tem predominado", diz o teólogo. Dos 26,1 milhões de evangélicos brasileiros, 67,6% estão em segmentos não-tradicionais. Analisados sob uma perspectiva histórica, esses dados ganham relevância impressionante. Os primeiros protestantes desembarcaram no Brasil em 1855. Os pentecostais começaram suas pregações em 1910. E os neopentecostais, grupo ao qual pertence a Igreja Renascer, surgiram no fim dos anos 70 e já representam cerca de 25% da população evangélica. Para falar sobre esse assunto e alguns outros que hoje dominam a pauta no meio protestante, Ariovaldo Ramos concedeu a seguinte entrevista: Perfil • Dados pessoais 46 anos, casado, pai de duas filhas • A trajetória Filósofo e teólogo, é missionário do Serviço de Evangelização para a América Latina, diretor da Faculdade Latino-Americana de Teologia Integral, professor de História do Pensamento Protestante e presidente no Brasil da organização de ajuda humanitária Visão Mundial ÉPOCA – O senhor acha que na reportagem de capa de ÉPOCA da semana passada, "Os caloteiros da fé", há indícios de perseguição religiosa contra os evangélicos?Ariovaldo Ramos - Não, não acho. Acho que foi um trabalho jornalístico baseado em fatos. Espero que os líderes da Igreja Renascer consigam se defender. ÉPOCA – A bispa Sonia Hernandes tem falado em nome dos evangélicos. Ela tem autoridade para isso? Ramos – Não, ela não tem. Nenhum de nós pode falar em nome de todos os evangélicos. Isso porque um dos princípios básicos do protestantismo é a livre organização. Cada comunidade se organiza como bem entender. Portanto, cada igreja só pode falar por si própria. ÉPOCA – Essa auto-organização inclui o gerenciamento do dinheiro? Ramos – Sim, perfeitamente. Nas igrejas históricas, quem administra os recursos é um tesoureiro legitimamente eleito pela comunidade. Ele responde a um conselho fiscal que, por sua vez, presta conta na assembléia geral da igreja. Além disso, todas as organizações evangélicas – creches, escolas, hospitais, asilos – ligadas a igrejas históricas têm as contas auditadas. O processo financeiro é transparente e os documentos podem ser examinados por qualquer fiel. ÉPOCA – O que aconteceria se alguns cheques doados por um fiel à igreja aparecessem depositados na conta de uma empresa de propriedade de um dos líderes religiosos?Ramos – Esse líder seria suspenso até que tudo fosse esclarecido. Ele seria chamado para depor na instância superior à qual a denominação de sua igreja esteja vinculada. Também teria de ressarcir o fiel e, caso não se justificasse bem, seria exonerado. ÉPOCA – Na Igreja Renascer não há um fórum superior ao qual os fiéis possam levar as queixas contra o apóstolo Estevam Hernandes e a bispa Sonia. Isso é usual?Ramos – O que posso dizer é que nas igrejas protestantes históricas sempre há fóruns superiores. E também nas igrejas pentecostais, como a Assembléia de Deus, e mesmo em algumas neopentecostais. São órgãos como tribunais eclesiásticos, conselhos de pastores e convenções denominacionais. ÉPOCA – Quais são as denominações evangélicas históricas? Ramos – São aquelas diretamente oriundas da Reforma, como as igrejas luteranas, presbiterianas, batistas, metodistas, episcopais, congregacionais, entre outras. Essas são as mais conhecidas. ÉPOCA – No que a pregação dessas igrejas difere da apresentada pelos neopentecostais? Ramos – Essas novas denominações evangélicas normalmente buscam seus fundamentos na Teologia da Prosperidade, pensamento formulado nos anos 70 pelo americano Kenneth Hagin. Trata-se de uma teoria que defende de forma radical o princípio de que o cristão tem de ser abençoado com bens materiais. Esse elemento, que já existia na Teologia Protestante original, tornou-se o elemento central dessa nova Teologia da Prosperidade. ÉPOCA – E qual é o problema desse discurso? Ramos – Há pelo menos dois equívocos. Primeiro, ao concentrar suas esperanças em si próprio e na obtenção de bens imediatos, o cristão adepto dessa teoria normalmente deixa em segundo plano objetivos que para a Teologia Protestante são prioritários, como a construção de uma nova sociedade. Há outra crítica. A Teologia da Prosperidade está inserida no sistema capitalista, que prega a acumulação, a exploração do homem pelo homem. Esse sistema tem de estar sob vigilância e não ser referendado. ÉPOCA – Mesmo com essas contradições as igrejas neopentecostais podem ser consideradas protestantes?Ramos – A bem da verdade, podem sim. É preciso lembrar que a Reforma Protestante, antes e acima de tudo, foi um movimento em busca da livre interpretação da Bíblia e da livre organização. Agora, ao usar essa conquista da liberdade, muitos grupos religiosos romperam com uma série de parâmetros da igreja protestante autêntica. ÉPOCA – Por exemplo?Ramos – Uma coisa que acontece: não se pode tirar um trecho bíblico do contexto. Você não pode chegar e dizer: "Olha, eu estava lendo esse versículo e senti que Deus está querendo dizer isso e aquilo". Não é correto construir uma teologia a partir de uma sensação que você teve. ÉPOCA – E isso ocorre?Ramos – Sim! Nas igrejas neopentecostais muitas doutrinas são construídas a partir de experiências individuais, e isso não encontra suporte na Teologia Protestante. ÉPOCA – Por que as igrejas históricas não têm competência para se organizar como as neopentecostais, que têm difundido sua teologia em emissoras de rádio e TV?Ramos – Em primeiro lugar, porque nós não captamos tanto dinheiro. Nossas igrejas são sustentadas pelos dízimos dos fiéis e a coleta é feita num único momento do culto, sem constrangimentos, sem pressão. Quanto ao uso da mídia, acredito que tem de ser feito com base em critérios éticos. Não se pode fazer um programa de TV que vá coagir emocionalmente o público e seja desnecessariamente agressivo. O ideal é usar a mídia para fazer uma exposição criteriosa das Escrituras. Nós, das igrejas históricas, temos sérios questionamentos quanto à forma como algumas igrejas têm utilizado os meios de comunicação, e não gostaríamos de participar disso. ÉPOCA – O princípio da livre interpretação e associação, tão caro aos protestantes, não dá espaço para a ação de muitos aventureiros? Ramos – Riscos, há. Toda liberdade implica riscos. Mas não significa que devemos rever esse princípio. O que precisamos fazer é começar a discutir os limites éticos da livre interpretação e da auto-regulamentação. Claro que já existem parâmetros estabelecidos pelo Estado. Mas, além desses, precisamos criar os nossos. Será um longo debate. Estamos diante de um grande desafio. ÉPOCA – Como os protestantes históricos se posicionarão na campanha presidencial?Ramos – A recomendação da Associação Evangélica Brasileira é a de que o voto é pessoal, inalienável, e não pode ser dado sob coação. Não pode haver nenhuma pressão sobre o eleitor, o fiel não é obrigado a votar em um candidato só porque ele se diz evangélico. Tem de votar de acordo com sua livre consciência. ÉPOCA – Pastor, o senhor é missionário desde 1976. Deu para ficar rico?Ramos – (Risos.) Eu? Eu, não. Sou um cidadão da classe B, acho que "B menos"... (Risos.) Tenho um apartamento de 70 metros quadrados financiado pelo SFH, dois Palios, um 1998 e outro 1997, um quem usa é minha mulher, também financiados.